Quem se lembra dos anos 60 do século passado sabe que não havia jornalistas na rádio. Havia locutores (noticiaristas) que liam as notícias dos jornais, correndo até aquele exemplo extremo de um locutor que, a dada altura, terá dito: “O Chefe de Estado, como se pode ver na figura ao lado, inaugurou ontem mais uma unidade industrial…”
Exceptuando a informação desportiva e algumas reportagens de figuras ímpares como Fernando Pessa, Artur Agostinho ou Maria Leonor, o jornalismo radiofónico só começou a ter identidade própria com o serviço de noticiários do Rádio Clube Português, no final dos anos 60. Ainda assim, os "noticiaristas" do RCP não eram reconhecidos como jornalistas tout court. As crónicas parlamentares de Viriato Dias, no programa “Página 1” da Rádio Renascença, já nos anos 70, constituiam uma excepção à regra na medida em que eram asseguradas por um jornalista encartado.
Foi só após o 25 de Abril, mais concretamente em 1976, que a rádio passou a ter nos seus quadros jornalistas com carteira profissional, atribuída aos então designados redactores-locutores. Para além da redacção de notícias, os jornalistas da rádio passaram a ter também a responsabilidade de assumir os outros géneros jornalísticos, como a entrevista ou a reportagem, até aí assegurados indistintamente por outros profissionais.
A estabilização deste processo acabou por resolver os equívocos resultantes de situações em que profissionais de rádio não jornalistas pudessem, com a sua actuação, enviesar as técnicas e a deontologia próprias do jornalismo. Até que, passados mais de trinta anos, a concretização do projecto de uma rádio que se apresentou com ambições de ter um forte pendor informativo, o Rádio Clube (Português), vem relançar a ambiguidade ao colocar jornalistas e apresentadores/locutores a par, nas mesmas funções, como acontece, presentemente, na série de entrevistas a 20 personalidades do Porto, conduzidas por um apresentador e por um jornalista convidado ou, como também já sucedeu, apenas por dois apresentadores da estação.
A questão, de resto, não é inédita no RC(P) onde o programa “Debate Público”, um fórum de discussão com características eminentemente informativas, não é conduzido por jornalistas, mas sim por apresentadores/locutores, cuja função não está sujeita às normas de equidade, distanciamento e independência próprias do jornalismo.
Perante tal situação, fica a perplexidade que me leva a suscitar duas interrogações. Afinal, qual deverá ser o papel dos locutores/apresentadores, nos espaços com carácter jornalístico, de uma rádio assumidamente informativa? Poderão eles, em algum caso, não ser jornalistas?
segunda-feira, 24 de março de 2008
sexta-feira, 21 de março de 2008
Imagem, som, audiências passivas e audiências activas
A ligação entre a linguagem televisiva e a linguagem radiofónica tem tradução no uso de técnicas comuns como a montagem, mas, do ponto de vista da recepção, há uma vantagem acrescida para a rádio: o som da palavra, da música, ou dos efeitos sonoros, consegue criar imagens na mente, mas o inverso é pouco verosímel visto que as imagens, só por si, não suscitam o som. Ora é essa dimensão globalizante inerente à envolvência sonora, consubstanciada através da criação das tais “pictures in the mind”, que torna mais intenso o diálogo com o ouvinte do que com o espectador.
Contrariamente ao vídeo, em que a imagem, supostamente ao mostrar tudo, remete as audiências para uma atitude passiva, na rádio os ouvintes sentem necessidade de ser activos porque há sempre algo a descodificar na textura sonora apresentada. Nesse sentido,a rádio insere-se mais intensamente no conceito de "obra aberta", de Umberto Eco, segundo o qual “toda a recepção é uma interpretação e, ao mesmo tempo, uma realização”.
Ao proporcionar um maior grau de liberdade na recepção por parte do ouvinte, o som da rádio, não sendo tão intrusivo como a imagem vídeo, abre-se a um diálogo, mesmo que seja em silêncio, e o contacto estabelece-se. Por isso se pode dizer que mesmo ainda antes de terem aparecido os programas de "call-in", os debates, os fóruns ou os passatempos radiofónicos, as audiências da rádio já eram activas visto que sempre tiveram necessidade de recorrer ao imaginário para atingir a plenitude da recepção sonora.
Contrariamente ao vídeo, em que a imagem, supostamente ao mostrar tudo, remete as audiências para uma atitude passiva, na rádio os ouvintes sentem necessidade de ser activos porque há sempre algo a descodificar na textura sonora apresentada. Nesse sentido,a rádio insere-se mais intensamente no conceito de "obra aberta", de Umberto Eco, segundo o qual “toda a recepção é uma interpretação e, ao mesmo tempo, uma realização”.
Ao proporcionar um maior grau de liberdade na recepção por parte do ouvinte, o som da rádio, não sendo tão intrusivo como a imagem vídeo, abre-se a um diálogo, mesmo que seja em silêncio, e o contacto estabelece-se. Por isso se pode dizer que mesmo ainda antes de terem aparecido os programas de "call-in", os debates, os fóruns ou os passatempos radiofónicos, as audiências da rádio já eram activas visto que sempre tiveram necessidade de recorrer ao imaginário para atingir a plenitude da recepção sonora.
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A composição radiofónica
A composição radiofónica, expressão entretanto caída em desuso, era aquilo que, até aos anos 70 do século passado, designava o trabalho de sonoplastia, sonorização e todo o tratamento sonoro a que eram sujeitas as produções de rádio.
No seu aparente pretenciosismo, a expressão continha em si um manancial de referências que delimitavam rigorosamente um conceito através do qual se pretendia guindar o trabalho radiofónico a um estatuto criativo que se foi perdendo e, como tal, é cada vez menos reconhecido.
Foi por aí que começou a minha vida como profissional de rádio - um estágio no sector de composição radiofónica da Emissora Nacional entre Novembro de 1975 e Janeiro de 1976 - e, esse facto, acabou por sedimentar a minha perspectiva sobre a importância do tratamento e da roupagem que devem exibir todos os conteúdos radiofónicos, sejam eles jornalísticos ou não jornalísticos.
Na altura, vivia-se ainda o rescaldo dos tempos áureos da ficção e do teatro radiofónico e foi nesse caldo de cultura, exemplarmente plasmado no livro "O Teatro Invisível" de Eduardo Street, que os meus sentidos despertaram para o jogo de palavras ouvidas ("horspiel" em alemão) que é capaz de criar "pictures in the mind", como dizem os ingleses.
No seu aparente pretenciosismo, a expressão continha em si um manancial de referências que delimitavam rigorosamente um conceito através do qual se pretendia guindar o trabalho radiofónico a um estatuto criativo que se foi perdendo e, como tal, é cada vez menos reconhecido.
Foi por aí que começou a minha vida como profissional de rádio - um estágio no sector de composição radiofónica da Emissora Nacional entre Novembro de 1975 e Janeiro de 1976 - e, esse facto, acabou por sedimentar a minha perspectiva sobre a importância do tratamento e da roupagem que devem exibir todos os conteúdos radiofónicos, sejam eles jornalísticos ou não jornalísticos.
Na altura, vivia-se ainda o rescaldo dos tempos áureos da ficção e do teatro radiofónico e foi nesse caldo de cultura, exemplarmente plasmado no livro "O Teatro Invisível" de Eduardo Street, que os meus sentidos despertaram para o jogo de palavras ouvidas ("horspiel" em alemão) que é capaz de criar "pictures in the mind", como dizem os ingleses.
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terça-feira, 18 de março de 2008
sexta-feira, 7 de março de 2008
Liberdade de recepção
O conceito original de liberdade de recepção foi desenvolvido por Philippe Breton (A manipulação da palavra, Edições Loyola, São Paulo, 1999) a partir da ideia de que a liberdade relativa à palavra é, com demasiada frequência, identificada tão somente com a liberdade de expressão.
Ora, as nossas instituições democráticas - diz Breton - protegem de modo rigoroso a primeira, mas interessam-se pouco pela segunda. "A possibilidade de manipulação da palavra vincula-se justamente a esse desequilíbrio. (...) Essa extensão da liberdade de palavra não apenas à liberdade de expressão, mas também à liberdade de mediação e, sobretudo, à liberdade de recepção corresponderia a uma etapa superior da democracia".
Tudo isto tem a ver com o âmbito deste blogue na medida em que, "um enunciado dado, entre determinados parceiros de uma interação, será manipulatório porque o público, por exemplo, não estará apto a decodificá-lo como tal". Por outro lado, nas comunicações exercidas através dos media ampliam-se as dificuldades: "uma mesma mensagem pode revelar-se manipulatória para uma parte do público e não manipulatória para outra, que já desarmou suas armadilhas" .
Segundo Philippe Breton, a manipulação da palavra tornou-se hoje comum nas sociedades modernas. "A democracia, que pôs a palavra no centro da vida pública, parece ameaçada pela proliferação das técnicas que visam nos obrigar, sem que nos apercebamos, a adotar determinado comportamento ou determinada opinião". Desta forma, só é completamente livre quem estiver em condições de dizer, autonomamente, sim ou não à recepção.
Ora, as nossas instituições democráticas - diz Breton - protegem de modo rigoroso a primeira, mas interessam-se pouco pela segunda. "A possibilidade de manipulação da palavra vincula-se justamente a esse desequilíbrio. (...) Essa extensão da liberdade de palavra não apenas à liberdade de expressão, mas também à liberdade de mediação e, sobretudo, à liberdade de recepção corresponderia a uma etapa superior da democracia".
Tudo isto tem a ver com o âmbito deste blogue na medida em que, "um enunciado dado, entre determinados parceiros de uma interação, será manipulatório porque o público, por exemplo, não estará apto a decodificá-lo como tal". Por outro lado, nas comunicações exercidas através dos media ampliam-se as dificuldades: "uma mesma mensagem pode revelar-se manipulatória para uma parte do público e não manipulatória para outra, que já desarmou suas armadilhas" .
Segundo Philippe Breton, a manipulação da palavra tornou-se hoje comum nas sociedades modernas. "A democracia, que pôs a palavra no centro da vida pública, parece ameaçada pela proliferação das técnicas que visam nos obrigar, sem que nos apercebamos, a adotar determinado comportamento ou determinada opinião". Desta forma, só é completamente livre quem estiver em condições de dizer, autonomamente, sim ou não à recepção.
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