segunda-feira, 24 de março de 2008

O Jornalismo e a Rádio

Quem se lembra dos anos 60 do século passado sabe que não havia jornalistas na rádio. Havia locutores (noticiaristas) que liam as notícias dos jornais, correndo até aquele exemplo extremo de um locutor que, a dada altura, terá dito: “O Chefe de Estado, como se pode ver na figura ao lado, inaugurou ontem mais uma unidade industrial…”

Exceptuando a informação desportiva e algumas reportagens de figuras ímpares como Fernando Pessa, Artur Agostinho ou Maria Leonor, o jornalismo radiofónico só começou a ter identidade própria com o serviço de noticiários do Rádio Clube Português, no final dos anos 60. Ainda assim, os "noticiaristas" do RCP não eram reconhecidos como jornalistas tout court. As crónicas parlamentares de Viriato Dias, no programa “Página 1” da Rádio Renascença, já nos anos 70, constituiam uma excepção à regra na medida em que eram asseguradas por um jornalista encartado.

Foi só após o 25 de Abril, mais concretamente em 1976, que a rádio passou a ter nos seus quadros jornalistas com carteira profissional, atribuída aos então designados redactores-locutores. Para além da redacção de notícias, os jornalistas da rádio passaram a ter também a responsabilidade de assumir os outros géneros jornalísticos, como a entrevista ou a reportagem, até aí assegurados indistintamente por outros profissionais.

A estabilização deste processo acabou por resolver os equívocos resultantes de situações em que profissionais de rádio não jornalistas pudessem, com a sua actuação, enviesar as técnicas e a deontologia próprias do jornalismo. Até que, passados mais de trinta anos, a concretização do projecto de uma rádio que se apresentou com ambições de ter um forte pendor informativo, o Rádio Clube (Português), vem relançar a ambiguidade ao colocar jornalistas e apresentadores/locutores a par, nas mesmas funções, como acontece, presentemente, na série de entrevistas a 20 personalidades do Porto, conduzidas por um apresentador e por um jornalista convidado ou, como também já sucedeu, apenas por dois apresentadores da estação.

A questão, de resto, não é inédita no RC(P) onde o programa “Debate Público”, um fórum de discussão com características eminentemente informativas, não é conduzido por jornalistas, mas sim por apresentadores/locutores, cuja função não está sujeita às normas de equidade, distanciamento e independência próprias do jornalismo.

Perante tal situação, fica a perplexidade que me leva a suscitar duas interrogações. Afinal, qual deverá ser o papel dos locutores/apresentadores, nos espaços com carácter jornalístico, de uma rádio assumidamente informativa? Poderão eles, em algum caso, não ser jornalistas?

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