domingo, 17 de maio de 2009

Contra a comunicação, pela estética

Este livro é a espoleta que me faltava para renegar, em definitivo, a comunicação desintermediada nos mass media e, consequentemente, aquilo que também os jornalistas estão a deixar que se instale como paradigma emergente (o jornalismo do cidadão, o cidadão repórter, o culto do amador) contribuindo, assim, para a descaracterização da profissão e para o seu próprio hara-kiri enquanto profissionais.

O mundo é cada vez mais complexo mas, paradoxalmente, parece que toda a gente tem de saber dominar qualquer tema e ter opinião sobre tudo, mesmo que não tenha sido preparado profissionalmente para isso. A bem dos custos económicos ou seja lá do que for, vai-se menorizando o papel dos mediadores qualificados que ajudam a descodificar, situar e enquadrar os fenómenos contemporâneos tratados nos mass media. E, hoje em dia, quase tudo se resume à glorificação de uma comunicação cada vez menos mediada (jornalismo incluído).

Porém, depois de ler este livro, ninguém consegue ficar imune a um sentimento de desconfiança face aos discursos laudatórios com que é habitualmente adornada a comunicação mediática. "Ao dirigir-se directamente ao público, saltando por cima de qualquer mediação, a comunicação tem uma aparência democrática, mas é uma violação que homologa todas as diferenças" - escreve Mario Perniola, filósofo italiano que ensina na Universidade de Roma e na Universidade de Quioto.

O autor desmonta com brilhantismo os dispositivos, as deformações e as perversões da comunicação de massa que, segundo ele, "substitui a educação e a instrução pelo edutainment, a política e a informação pelo infotainment e a arte e a cultura pelo entertainment". De todas as mistificações da comunicação - sustenta Perniola - "a maior é, indubitavelmente, a de se apresentar sob a bandeira do progressismo democrático enquanto constitui, na realidade, a mais completa configuração do obscurantismo populista".

Seguindo o pensamento de Mario Perniola, a imediatitude comunicativa é fastidiosa e molesta porque decorre da ausência de um verdadeiro interesse. Isto, "se tivermos presente o que significa literalmente a palavra interesse - ou seja, o estar entre, a mediação". Contrariamente à comunicação, a aquisição de conhecimento exige que haja uma pró-actividade, um verdadeiro interesse, uma mediação.

Perante a onda avassaladora da comunicação, tal como preconiza Derrida, só há uma saída que, todavia, não é linear: "a estratégia da filosofia na sua luta contra a imediatitude logocêntrica e comunicativa não pode ser senão oblíqua". Perniola segue-lhe as pisadas mas evita "o desmedido do discurso psicanalítico" propondo uma alternativa aos efeitos da comunicação através de um sentimento estético das coisas: "Vêm assim encontrar-se no âmbito da estética não só as artes como também todas as actividades científicas, profissionais e burocráticas que implicam, por definição, liberdade e autonomia em relação à economia do lucro imediato e da negociação e que se orientam para a formação de um capital cultural e simbólico não redutível ao capital económico".

terça-feira, 5 de maio de 2009

O país dos fala-barato

No início, as televisões e as rádios começaram por ouvir comentadores qualificados (e supostamente sem interesses particulares) quando queriam aprofundar este ou aquele assunto. Depois, passaram a comentadores os políticos fora do activo, a que se seguiram os políticos no activo, umas vezes apresentados como tal, outras nem por isso. Até que a "vox-populi" ganhou estatuto de "opinion-maker" misturando, bastas vezes e sem a adequada moderação, convicções com factos, mentiras com meias-verdades e lançando até injúrias e difamações.

A opinião responsável e fundamentada tem de continuar a ser livre, mas a exibição da ignorância e do disparate, que vai ganhando cada vez mais terreno no espaço público, não pode ser colocada ao mesmo nível. A não ser que o objectivo seja fomentar o país dos fala-barato.