quarta-feira, 9 de maio de 2007

Causas, negócio e credibilidade

Na linha do que já havia feito no jornal A Capital, sem que isso tivesse impedido o colapso do título, Luís Osório cunhou agora o RCP como uma rádio de causas. A primeira acção está a decorrer até ao final deste mês e pretende envolver a estação radiofónica na luta contra o problema da fome. Independentemente dos valores éticos que, acredito, possam estar subjacentes a uma atitude deste género, não podemos nunca esquecer que os media são um negócio e a dita responsabilidade social dos meios de comunicação acaba, muitas vezes, por servir interesses bem mais prosaicos. Como refere a investigadora argentina Rosalia Winocur, no seu livro Ciudadanos Mediáticos, "los medios han descobierto que abrir los micrófonos y ponerse la camiseta de defensor del pueblo es un negocio redondo para obtener credibilidad". A frase resume tudo o que há para dizer sobre causas, o negócio dos media e a credibilidade. Porém, convém nunca esquecer que o intuito último decorrente desta trilogia - a credibilidade - não se conquista só com bandeiras, nem com voluntarismo. É um trabalho de todos os dias, de todas as horas, que não se compadece com logros ou enganos. Na terça-feira, 8 de Maio, primeiro dia da acção contra a fome, o RCP anuncia por duas vezes (às 8h30 e às 9h30) um depoimento de José Saramago a propósito do assunto. Curioso, o ouvinte fica na expectativa e, afinal, o que lhe dão a ouvir? Não um depoimento do escritor sobre a acção, mas apenas uma reportagem em Azinhaga com familiares de José Saramago onde é enxertada uma gravação de arquivo com a leitura, pelo escritor, de um texto sobre a fome.

Actualização a 10/5
Fui cordialmente informado, por fonte do RCP, que a gravação de José Saramago não era de arquivo, uma vez que foi pedido explicitamente ao escritor para ler alguns excertos do seu livro "Pequenas Memórias". Feita a rectificação pontual mantenho a convicção da pertinência da observação. Tecnicamente, um "depoimento" sobre um tema não é a leitura de um excerto de um livro, nem tão pouco uma reportagem que foi, afinal, aquilo que foi apresentado aos ouvintes.

4 comentários:

Anónimo disse...

A possibilidade de falar de credibilidade em relação ao novo RCP parece estar, de facto, cada vez mais distante.O caso que apresenta é apenas mais um dos muitos absurdos que os ouvintes vêm constatando. Veja-se, aliás, como são esclarecedores os vários comentários feitos ao post de jpmeneses de 23 de abril, no blogouve-se.

Anónimo disse...

O poema que Saramago LEU PARA O RADIO CLUBE não faz parte do livro "As Pequenas Memórias". O poema chama-se "Fala do velho do Restelo ao Astronauta", que o escritor publicou em 1966 em "Poemas Possíveis". A reportagem foi feita em Azinhaga com o objectivo de conhecer a infância difícil do escritor.

Vítor Soares disse...

Caro anónimo,
Pela actualização feita no post a 10/5 já tinha sido explicitado que "Saramago LEU PARA O RÁDIO CLUBE", razão pela qual não percebo a necessidade de gritar em caixa alta. Agradeço a precisão quanto à origem do texto que, como se infere da actualização acima referida, foi atribuída, não por mim, como pertencendo às "Pequenas Memórias". Quanto ao resto, o post não punha em causa a reportagem, mas sim o facto de a peça emitida ter sido apresentada no lançamento como um "depoimento" do escritor sobre a acção de luta contra a fome.

Anónimo disse...

Caro Vitor Soares,

Não era minha intenção gritar. Não faz parte da minha maneira de ser, nem de faler, nem de escrever. A caixa alta serviu para chamar a atenção, apenas isso, em resposta ao post que diz que a gravação do saramago é de arquivo. Não é, asseguro. Foi feita prepositadamente para "compor" a reportagem. Quanto à forma como a reportagem foi apresentada ... concordo inteiramente.