domingo, 4 de março de 2007

A censura na rádio antes do 25 de Abril

Antes do 25 de Abril de 1974, o lápis azul da censura também se fazia sentir na rádio embora a actuação dos vigilantes do regime esteja mais largamente documentada na imprensa. Na rádio oficial, a Emissora Nacional, eram os próprios responsáveis internos quem determinava os conteúdos que podiam ou não ser emitidos. O documento que se segue corresponde ao guião da rubrica "Transmutação" elaborada por José Cerejeira, Vítor Soares e Vítor Abrantes Pereira para o programa juvenil "Abertura 1.6", realizado por Fernando Balsinha e Salvador Alves Dias, em 1971. O corte assinalado pelo Chefe de Repartição de Programas Literários e Científicos - Secção de Programas Dramáticos limitava-se a reproduzir uma citação de uma funcionária do Gabinete de Estudos Sociais da Direcção-Geral da Assistência, um organismo do Estado. Ainda assim, a frase de Helena Cidade Moura não passou no crivo da censura.

Um outro guião da rubrica "Transmutação", submetido ao visto prévio na mesma data (27 de Março de 1971), teve ainda menos complacência por parte dos censores. Levou um corte de alto a baixo, o que inviabilizou a sua realização. Tratava-se de uma produção feita com base no poema de Thiago de Melo "Estatutos do Homem", na altura largamente difundido através de um poster com venda pública autorizada e que muitos jovens portugueses escolarizados exibiam nas paredes dos seus quartos. Para a fúria censória terá certamente contribuído a sonorização feita com faixas musicais de autores que assumiam algum tipo de compromisso social e que embora não estivessem no index de músicas proíbidas de passar na rádio ganhavam outra dimensão ao serem entrosadas no poema. De resto, após as primeiras emissões da rubrica, em que apenas nos pediam o texto para submeter ao visto prévio, os autores foram sendo compelidos a especificar também as músicas nos respectivos guiões.
Os dois documentos seguintes referem-se a textos "não aprovados" destinados a um programa de jovens universitários de Luanda, em 1973/74, e do qual podem ser ouvidas duas emissões mais abaixo. No primeiro caso, a "Carta à minha professora" era a reprodução de um poema publicado num jornal angolano, mas que não teve autorização para ser lido na rádio. O segundo texto foi elaborado a partir de uma notícia e o motivo do corte foi a expressão assinalada a vermelho que, presumivelmente, abalava a decência e os bons costumes do censor.

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