sexta-feira, 20 de abril de 2007

Os produtos híbridos

A inovação que constituem os automóveis híbridos é apenas mais um sinal dos tempos no caminho que nos conduz ao futuro. Tal como nos veículos também nos media a tentativa de conjugação do melhor de dois ou mais mundos está a fazer carreira e parece ser esse o objectivo a atingir pelo menos ao nível do público do mainstream, porque as élites, essas, necessitarão sempre de produtos diferenciados. Não é por acaso que, nos EUA, o programa televisivo Daily Show, onde se conjuga a informação, o entretenimento e o activismo, capta já a maior parte do público entre os 18 e os 34 anos. Durante a campanha presidencial de 2004 o show recebeu mais espectadores daquela faixa etária do que os clássicos Nightline, Meet the Press, Hannity & Colmes e todas as emissões noticiosas da noite. Hoje em dia, é no Daily Show que grande parte dos jovens adultos norte-americanos busca o contacto com a realidade moldando os seus princípios de cidadania a partir de um programa cujo formato replica, com humor, uma emissão informativa clássica. Se transmutarmos o conceito para a realidade portuguesa facilmente concluímos que o programa "Diz que é uma Espécie de Magazine" dos Gato Fedorento é o exemplo de uma emissão que persegue objectivos similares tendendo a atingir o pleno no mesmo público-alvo. E já conseguiu impôr-se no mainstream chegando ao horário nobre da televisão pública nacional. Os diferentes formatos de informação e de entretenimento vão-se confundindo, cada vez mais, e não vale a pena diabolizar o infotainment tout court porque qualquer produto de consumo mediático, desde que seja profissionalmente conseguido e ética e deontológicamente irrepreensível, tem a mesma dignidade. Assim, uma emissão de informação e entretenimento pode ser tão importante para a prossecução dos valores de cidadania como um programa com um formato perfeitamente diferenciado como é o caso tratado neste resumo de um trabalho de investigação, onde se chega à conclusão de que não é mais possível manter em compartimentos estanques a cidadania e o consumo dos media. Mais não seja porque a política passou a adoptar as regras do mercado para o seu funcionamento, como se pode ler aqui (há quem diga que, hoje em dia, vota-se como quem compra e que estão em causa os próprios fundamentos da democracia). Neste contexto, a cidadania deixou de ser apenas sócio-política e passou a ter também uma dimensão cultural e uma dimensão económica, que a vincula necessariamente ao consumo. Assim, a emergência de produtos mediáticos híbridos, de que vínhamos falando, é o espelho desta realidade de confluência de valores e de instâncias até agora antagónicas e a generalização do infotainment, que recebeu um impulso decisivo com a televisão, está já a alastrar à rádio e aos jornais, embora convenha relembrar que a imprensa escrita nunca foi feita somente de informação pura e dura, sempre houve fait-divers e trivialidades à mistura com assuntos mais sérios, e na rádio a institucionalização do formato jornalístico tem pouco mais de três décadas. Vem isto a propósito das recentes reformulações editoriais no Diário de Notícias e no Rádio Clube Português. João Marcelino e Luís Osório protagonizam cada um daqueles dois projectos cujo objectivo é, assumidamente, ganhar mais leitores e mais ouvintes. Se no caso do Diário de Notícias, João Marcelino tenta conjugar dois géneros informativos alegadamente antagónicos - o jornalismo dito de referência e o jornalismo dito popular - relativamente ao Rádio Clube, Luís Osório desdobra a emissão apresentando ao longo do dia uma sucessão de diferentes formatos radiofónicos: informação pura e dura da manhã, informação mais light à tarde e programas de call in (de desporto e confessionais) à noite. Para o sucesso ou o fracasso que o DN e o RCP possam vir a ter deverão contribuir os dois aspectos acima referidos. Por um lado, o peso da marca ética e deontológica com que cada um dos responsáveis quiser cunhar o respectivo projecto. Por outro, o profissionalismo que conseguirem imprimir às equipas que dirigem. À partida, o desafio é igual para ambos. Porém, é bom lembrar que João Marcelino, quando chegou à redacção do DN, já nada lhe era estranho no mundo dos jornais, enquanto Luís Osório só quando chegou ao Rádio Clube começou verdadeiramente a entrar no mundo da rádio.

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